Rumo ao Deserto

Os últimos anos têm sido claros: é necessário desinvestir do mundo.

Diogo Bronze

3/3/20245 min read

"Aquele que com Deus está, nunca está menos só, que quando está só"
Guillaume de Saint-Thierry

Venho recomendar-vos um livro belíssimo, que estou a ler: El Eremitorio

Posso dar-vos mais detalhes sobre o livro se quiserem, mas o meu objectivo é que o leiam e portanto seria mais proveitoso para vós que o descarregassem aqui.

Não tenho qualidade para vos introduzir ao tema, não sou um contemplativo, muito menos uma pessoa retirada do mundo. Com família, filhos e um trabalho em torno de tecnologia, sou mais o oposto de tudo isso, no entanto, como talvez tantos de vós estou à escuta do que Deus tem para me dizer.

Um filho bem descuidado, que tenta no meio do ruído contemporâneo ouvir Deus, não somos todos mais ou menos isto? Não resumiria bem as nossas vida e não seria esta a real redução dos nossos esforços à realidade concreta?

4 anos passaram desde que comecei este projecto, alimentando-o e deixando que este me alimentasse, espiritualmente e também intelectualmente. Muito tenho aprendido, até diria, o propósito era esse forçar-me a conhecer, ler e aprender, para convosco poder chegar um bocadinho mais perto de Deus. Neste tempo, para além de tudo o que aprendi, do crescimento da família, da convulsão civilizacional que vivemos, uma coisa tem sido clara: Deus tem-nos desinstalado e nós temos deixado. Deus puxou-nos para perto de sua mãe, passámos a viver nas redondezas de Fátima, e com isto ficámos mais próximos dos sacramentos na sua forma tradicional e que tão bem nos têm feito.

A mudança foi uma escolha que foi maturando com o tempo. Primeiro parecia uma ideia louca, depois não tão louca e por último uma ideia impossível de esquecer. Diz Bossuet "Deus não desata, arranca; não dobra, mas rompe; mais do que separar, rasga e devasta tudo" (Sermão 2 sobre a Assunção). No entanto a pedagogia de Deus tem o seu tempo, não o nosso. Nada acontece do dia para a noite, ou pelo menos quase nada, Deus vai falando ao ouvido e amolecendo o coração dos seus filhos dilectos.

Este assentimento ao que Deus nos vai propondo tem sido uma aventura. Começou com a conversão individual de cada um de nós, depois com o casamento, abertura à vida e outros pequenos desafios menos significativos, mas que todos juntos culminaram no êxodo para o deserto de Fátima. Deserto de Fátima... curioso, aqui começou aos poucos um outro movimento, já não tão barulhento ou perceptível, externo, mas interior, aqui começámos a sentir a necessidade do recolhimento, da privação de certos ambientes e realidades, de um isolamento "saudável", pelo menos é como o justificamos agora.

Não sabemos se foi o contacto com a realidade simples da aldeia, o contacto com a terra, as pessoas, ou até o estado geral do mundo, talvez tenha sido tudo, mas a verdade é que cada vez mais damos valor ao recolhimento e o interesse de obter leituras que ajudem a isso acabou por se tornar natural.

O próprio projecto do Podcast, por mais útil e relevante que possa ser (ou não) acabou por se nos parecer mais a um ruído, que ainda útil, não é tão útil como a vida interior que podemos ter. É certo que um projecto de áudio e vídeo dá a conhecer Cristo a muitas almas, mas também é verdade que estas almas precisam de oração, não só informação. Em Fátima, Nossa Senhora não pediu difusão de informação, nem pediu para votar de 4 em 4 anos para resolvermos os problemas do mundo, pediu simplesmente oração e penitência, pela conversão dos pobres pecadores e oferecendo o seu Imaculado Coração como último remédio ao mundo. Aparentemente o seu Filho não está contente com os Homens, não sei como não é? Temos sido tão bons e agradecido tanto pelo sacrifício da Cruz...agora mais a sério: o desprezo a Nosso Senhor atingiu o seu expoente máximo nesta civilização doente em que vivemos, não há volta a dar a isto. O que fazer?

Pequeno Áudio Captado em Fátima no ensaio de um coro local

Igualmente, a Sara tem lido vários livros de educação infantil e o tema do recolhimento e vida de silêncio em casa, à mesa, etc. é uma constante. No trabalho, na família alargada (almoços e encontros), na política, haverá algo mais a dizer? Não será cada vez mais o silêncio o discurso que temos de ter? Pensem bem, tudo é antagónico com a vida Cristã, com a lei natural, com a ordem e disciplina que os nossos bisavós tiveram, e que hoje é escândalo para o mundo. Fizemos já a experiência de pelos nossos próprios meios ensinar e demonstrar com actos e com palavras que Nosso Senhor é o Caminho, a Verdade, a Vida. Os frutos? Muito poucos. Novamente: Nossa Senhora não pediu conversa, pediu oração e penitência pela conversão dos pecadores...porque continuamos a querer fazer as coisas à nossa maneira?

Como o EGO é um animal difícil de abater! É curioso que este desejo de abandonar a contemplação e a oração (simplesmente as ferramentas mais potentes que Nosso Senhor nos deu) para encetar o nosso activismo, os nossos planos de "corrigir" o mundo, esteja tão difundido, inclusive nos católicos que frequentam sacramentos tradicionais - isto lembrou-me que tenho de fazer um áudio sobre precisamente os perigos da "tradição" -.

Compreendo que os pagãos e indiferentes não acreditem na oração e julguem ser necessário algum tipo de agitação e novidade constante, que faça o mundo girar e evoluir , mas nós católicos cairmos nesse erro, é um mistério para mim. Com isto não estou a dizer para não fazerem proselitismo ou não tentarem chegar ao maior número de almas. É preciso anunciar a boa nova por toda a terra, a nossa missão de enviados não mudou, o baptismo a isso nos obriga. Estaremos a fazê-lo correctamente? Aqui já podemos todos pensar um pouco mais e talvez fazer um mea culpa.

Enfim, resumindo, penso que já perceberam onde quero chegar com este post: DESERTO.

A cada dia se torna mais necessário, neste mundo contrário à nossa Vida, contrário à Verdade e ao Caminho, recolher e preparar o mundo que aí vem, apostar as fichas todas nesta grande graça que Deus nos deu (imerecidamente), chamada vida eterna, a qual teremos seja ela nas chamas do inferno ou junto de Nossa Senhora e os anjos. Haveremos de arriscar a alma para resolver coisas mundanas? Ou obedeceremos a Nossa Senhora fazendo as coisas sobrenaturais que nos pediu? E quanto às coisas que temos de fazer neste mundo...bom, observem o que vos rodeia e pensem se vale a pena investir ou desinvestir. Aqui, para nós a escolha está feita, sabemos bem por qual bandeira lutar e felizmente não está nos nossos planos dialogar ou fazer diplomacia com o inimigo, para obter qualquer vantagem terrena.

Aos mais literais, não investir nas coisas mundanas, não significa deixar de trabalhar e de providenciar a uma família ou aos pais. Os nossos deveres de estado são os nossos degraus de santificação, aos quais estamos obrigados. No entanto, há formas e formas de os completar e de levar a bom porto os nossos deveres desta terra. Demos a César o que é de César, mas escolhamos as nossas batalhas.

Irei continuar a desenvolver este tema. Para debater ou conversar: info@bronzepodcast.com

Diogo Bronze