Deus e o Belo
Porque Deus tem necessariamente de ser belo, bom e justo?
Diogo Bronze
10/12/20255 min read


A Relação entre o Belo e Deus
Porque Deus tem necessariamente de ser belo, bom e justo?
Primeiro temos de começar pelo básico, explicando que Deus, É.
1. Deus como o “ipsum esse subsistens”
Na metafísica escolástica, especialmente em São Tomás de Aquino, Deus não é apenas um ente entre outros. Ele é o próprio Ato de Ser (esse) subsistente, ou seja, não recebe o ser, mas é o próprio Ser:
“Deus é o próprio Ser subsistente, não limitado por forma alguma. (...) Ele é o Ser mesmo, por essência.”
Suma Teológica, I, q. 3, a. 4
Enquanto todas as criaturas têm o ser, Deus é o Ser. Essa realidade metafísica é a base de tudo o que se pode afirmar sobre Deus.
2. Tudo o que há de bom, belo, justo, verdadeiro, etc., nas criaturas, existe por participação
Como Deus é o Ser pleno, Ele contém em Si, em modo simples e absoluto, todas as perfeições do ser, como:
Verdade
Bondade
Unidade
Beleza
Justiça
Sapiência
Poder
As criaturas possuem essas perfeições de forma limitada, composta e participada.
Exemplo:
Uma árvore é bela em parte.
Um homem pode ser justo, mas limitado.
Um anjo é mais perfeito, mas ainda finito.
Já Deus é essas perfeições em Si mesmo. Ele não tem bondade, beleza ou justiça, Ele é Bondade, Beleza e Justiça.
3. Por que Deus não pode ser feio, injusto ou limitado?
Porque isso implicaria carência de ser ou deficiência ontológica, o que é contraditório com Sua esseidade.
A feiúra é desordem no ser → Mas Deus é o ser pleno e ordenadíssimo.
A injustiça é perversão da vontade → Mas a vontade divina é sempre reta.
A limitação é finitude no ser → Mas Deus é o Ser infinito, sem composição nem potencialidade.
Logo, dizer que Deus possa ser feio, injusto ou imoral é tão contraditório quanto dizer que o Ser em ato puro possa não ser.
“Em Deus, ser e essência são idênticos. Ele é o Ser em ato puro, sem potência. Toda imperfeição implica potência, e por isso, é impossível atribuí-la a Deus.”
Suma Teológica, I, q. 3, a. 4
4. O Belo, o Justo e o Bom como aspectos da esseidade divina
Essas qualidades são transcendentais do ser. Por isso, não são “adornos” secundários de Deus, mas aspectos essenciais de Sua realidade:
Verdadeiro → porque Deus é inteligível em Si.
Bom → porque é desejável enquanto fim último.
Belo → porque é perfeito, harmonioso e resplandece ao ser conhecido.
Justo → porque Sua vontade é reta e ordenada.
Uno → porque é absolutamente simples e indivisível.
Tudo isso deriva do fato de que Deus é o próprio Ser subsistente.
5. A esseidade como chave da teologia cristã
Tudo o que podemos saber e dizer sobre Deus, sua beleza, justiça, bondade, imutabilidade, simplicidade, transcendência e amor, brota da Sua esseidade, isto é, da Sua realidade como o Ser por essência.
“E disse Deus a Moisés: Eu sou Aquele que sou.”
Êxodo 3,14
A tradição escolástica vê nesta revelação o eco profundo do ser divino: Deus é Aquele que é, e tudo o que existe é, de algum modo, uma participação desse Ser absoluto.
Aliás o próprio Cristo é condenado à morte num tribunal judaico (ilegal), precisamente por dizer que Ele É.
6. Deus é o Ser por excelência, e o Belo é um transcendental do Ser
Na tradição escolástica, os transcendentais são propriedades que acompanham todo ente enquanto ente. Os principais são: unum (unidade), verum (verdade), bonum (bondade), e, em autores como Tomás de Aquino, pulchrum (beleza) é incluído como transcendental.
“O belo e o bem são idênticos no sujeito: diferem apenas segundo o aspecto, pois o bem respeita o apetite (é o que se deseja), e o belo respeita a faculdade cognitiva (é o que agrada ao ser conhecido).”
Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 5, a. 4, ad 1
Logo, o belo é uma dimensão do ser enquanto tal. Como Deus é o ipsum esse subsistens (o próprio Ser em Si mesmo), Ele é a fonte e plenitude de todos os transcendentais. Assim, Ele não é apenas bom, verdadeiro e uno — Deus é o Belo absoluto, e toda beleza criada é apenas uma participação análoga na sua beleza.
“A beleza é uma propriedade do ser. Ora, Deus é o Ser absoluto, logo n’Ele está a beleza suprema.”
Jacques Maritain, “Art and Scholasticism”
7. Beleza como harmonia, proporção e esplendor da forma
Segundo Tomás de Aquino, para que algo seja belo, requer-se:
Integritas (integridade): a coisa está completa, com todas as partes necessárias.
Consonantia (proporção): há harmonia entre as partes e ordem no todo.
Claritas (esplendor): a essência brilha através da forma.
“Pulchrum dicitur id cuius perceptio ipsa delectat.”
("Diz-se belo aquilo cuja percepção agrada por si mesma.")
Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, q. 39, a. 8
Deus é:
Absolutamente íntegro e sem nenhuma carência.
Perfeitamente proporcionado e simples, sem composição (mas causa de toda proporção).
Esplendor puríssimo da forma divina.
8. Deus como fim último da alma humana e objeto do desejo natural pelo belo
O belo é aquilo que move o desejo, que atrai. Santo Agostinho já dizia que amamos aquilo que é belo, e que todo amor legítimo se orienta para Deus.
“Tarde te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! [...] Tu estavas dentro de mim, e eu fora, e fora te buscava.”
Santo Agostinho, Confissões, Livro X, cap. 27
A beleza, quando autêntica, toca a alma e eleva o espírito, é sinal do fim último do homem, que é Deus mesmo. Essa experiência estética é, no fundo, uma experiência metafísica que aponta para a fonte da beleza: Deus.
“A beleza é o esplendor da verdade e da bondade. É por isso que ela encanta: porque revela o que é verdadeiro e amável.”
Tomás de Aquino, In Div. Nom., cap. 4, lect. 5
9. A criação como espelho da beleza divina
A ordem, variedade, simetria e harmonia do mundo criado refletem a sabedoria e a beleza de Deus. O cosmos é como um ícone da beleza divina.
“Pois pela grandeza e beleza das criaturas, por analogia, se conhece o seu Criador.”
Sabedoria 13,5
“Toda criatura participa do ser e, portanto, participa da beleza divina. O universo é belo porque Deus o criou com medida, número e peso.”
Santo Agostinho, De Natura Boni
Tomás de Aquino reforça que a multiplicidade e a diversidade do mundo são ordenadas para mostrar mais perfeitamente a bondade e a beleza de Deus:
“O universo na sua totalidade reflete mais perfeitamente a bondade divina do que qualquer criatura isolada.”
10. Cristo como manifestação da Beleza de Deus
Cristo é o Verbo de Deus feito carne. Nele se manifesta a plenitude da glória divina.
“Nós vimos a sua glória, glória como do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade.”
João 1,14
Mesmo na Cruz, onde seu corpo estava desfigurado, a beleza da caridade divina resplandecia. A verdadeira Beleza é a do amor que se entrega.
“Não havia nele beleza nem formosura; vimo-lo, mas sem aparência que nos agradasse.”
Isaías 53,2
O mistério pascal — Paixão, Morte e Ressurreição — é o centro da beleza cristã: não como estética superficial, mas como epifania da Verdade e do Amor.
Diogo Bronze
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